domingo, 31 de janeiro de 2010

o meio de todas as coisas

entre o fim do começo e o começo
do fim toda coisa tem uma massa
inerte feito ponte pela qual
passamos distraídos - ou não:
os astecas sentiam chegar o exato
momento do meio da vida - o meio do meio
da vida, o momento em que o que já vivemos
é exatamente igual ao que ainda não vivemos
- e nesse momento preciso o mais comum
dos astecas sentia uma súbita e inexplicável
vontade de tomar um trem
mas como ainda não o tinham inventado
ele acabava por entristecer-se
(daí a tristeza, essa vontade de algo
que ainda não inventaram)


Gregório Duvivier

sábado, 30 de janeiro de 2010

É frustrante estar frustrada

*


Na cadência das horas. No sublime desespero de corações compassados. Na realidade de ver-te ao pé de mim, bem perto, tanto que pude sentir o cheiro do seu perfume bom. Mas seu olhar era tão distante quanto o mar eo sertão. Feria com frieza o meu desespero. Era insuportável a minha impaciência e o formigamento das minhas mãos. Parecia uma adolescente ensandecida. Mas o pior de tudo foi a minha cara de 'fim de festa' no incio daquela noite bonita. E pra acabar comigo de uma vez, ainda teve a foto! Oh! Eu não sei o porquê, mas a minha cara parecia meio congelada. E a sua cara era de susto. Acho que eu não gosto de tirar fotos. . .



bobagens, meu filho,
bobagens. . .

É preciso ser muito grosseiro para se poder ser célebre à vontade

Às vezes, quando penso nos homens célebres, sinto por eles toda a tristeza da celebridade. A celebridade é um plebeísmo. Por isso deve ferir uma alma delicada. É um plebeísmo porque estar em evidência, ser olhado por todos inflige a uma criatura delicada uma sensação de parentesco exterior com as criaturas que armam escândalos nas ruas, que gesticulam e falam alto nas praças. O homem que se torna célebre fica sem vida íntima: tornam-se de vidro as paredes da sua vida doméstica; é sempre como se fosse excessivo o seu traje; e aquelas suas
mínimas ações - ridiculamente humanas às vezes - que ele quereria invisíveis, coa-as a lente da celebridade para especulosas pequenezes, com cuja evidência a sua alma se estraga ou se enfasta. É preciso ser muito grosseiro para se poder ser célebre à vontade.

Fernando Pessoa - Pensamentos

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Meu Mestre Caeiro



O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas cousas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poeta.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa. . .



Fernando Pessoa (Alberto Caeiro)

Os meus pensamentos são contentes. . .




...os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
e com as mãos e os pés e com o nariz e a boca.
Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido...

Fernando Pessoa (Alberto Caeiro)

p a r a n a t h a l i e



Pela janela do lado. . . EU VEJO O MUNDO A ME ESPERAR. . .

=D

l i b e r d a d e



É.. eu vou voar, no azul mais lindo eu vou morar...

*

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Dar tempo ao tempo


O tempo o tempo cheirava
Se o cheiro fosse o de Mila
Que traz no mel da sua fava
A cica da cana-brava
Que é brava mas é tranquila.
O tempo que o tempo cheira
Não traz o que se destila
No corpo da feiticeira
Que quando quer verdadeira
Não há quem possa menti-la.
Se o tempo o tempo cheirasse. . .
Mas é que o tempo vacila.
Não vê que por quem Mila passe
Faz com que o coração descompasse
E até Deus no céu se perfila.
Que o tempo o tempo cheirará
O olho que me fuzi-la?
O olho com seu olhar
Que um dia ainda vai mudar
Pra dentro da minha pupila.
Que o tempo o tempo cheiraria
Ao tê-la, vê-la e senti-la!
Garanto que mandaria
A Música e a Poesia
Somente para servi-la.
É tempo que o tempo cheire.
E o temponão vá puni-la.
Apenas porque eu desespere
Da despedida que fere
Do: " - nunca mais" que aniquila.
Mas quando esse tempo cheirar
O tempo que se sigila
Aí Mila vai se encantar
Que Deus troca a Virgem do altar
Por Nossa Senhora de Mila!
Paulo Cesar Pinheiro


segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Ao Shopping Center

Pelos teus círculos
vagamos sem rumo
nós almas penadas
do mundo do consumo

De elevador ao céu
pela escada ao inferno:
os extremos se tocam
no castigo eterno.

Cada loja é um novo
prego em nossa cruz.
Por mais que compremos
estamos sempre nus

nós que por teus círculos
vagamos sem perdão
à espera (até quando?)
da Grande Liquidação.


José Paulo Paes

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

01:08




Embora a moça anônima da história seja tão antiga que podia ser uma figura bíblica.
Ela era subterrânea e nunca tinha tido floração. Minto:
ela era capim.
Se a moça soubesse que minha alegria também vem
de minha mais profunda tristeza e que a tristeza era uma alegria falhada.
Sim, ela era alegrezinha dentro de sua neurose. Neurose de guerra.


A Hora da Estrela, Lispector

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010